O Período Intertestamental
O Período Intertestamental
A maioria dos leitores da Bíblia sabe que algo aconteceu entre o fim da era do Antigo Testamento e o início do Novo Testamento, mas, para muitos, esses quatro séculos são conhecidos como “os anos silenciosos”.
Os últimos anos da história do Antigo Testamento são registrados em Esdras, Neemias e Ester, além dos três últimos livros proféticos: Ageu, Zacarias e Malaquias. Sob a liderança de Zorobabel, alguns dos exilados judeus em Babilônia voltaram a Israel para reconstruir Jerusalém e o Templo por volta de 539 a.C. Cerca de 480 a.C., o Senhor salvou Israel do plano de Hamã por meio da intervenção da rainha Ester. As muralhas de Jerusalém foram finalmente concluídas sob a liderança de Esdras e Neemias por volta de 450 a.C. Depois disso, vieram 400 anos de silêncio.
Judá era uma pequena província na borda oeste do vasto Império Persa. O reassentamento dos judeus na Palestina foi difícil, em parte porque muitos, que haviam conquistado certo privilégio e riqueza durante o exílio, acharam mais fácil permanecer na Babilônia ou na Pérsia do que retornar a Jerusalém. A região era pouco povoada, havia disputas com vizinhos, e o Segundo Templo reconstruído não tinha o esplendor do Templo de Salomão.
Quando os leitores passam de Malaquias para Mateus, encontram um cenário muito diferente do tempo de Neemias. Nos séculos seguintes, a Palestina tornou-se uma das áreas mais densamente povoadas do leste do Mediterrâneo. No norte, os antigos territórios tribais de Naftali, Aser, Zebulom e Issacar, agora chamados de Galileia, abrigavam centenas de vilarejos onde judeus e não judeus viviam, trabalhavam e faziam negócios. É evidente também que o Império Persa desapareceu, substituído pelo Império Romano, que agora ocupava a Palestina e controlava a vida cotidiana dos judeus.
Os livros do Novo Testamento foram escritos em grego, não em hebraico ou aramaico, resultado das conquistas de Alexandre, o Grande, no século IV a.C. Seu império se estendia do norte da Grécia até o norte da Índia. Apesar de morrer jovem, Alexandre introduziu mudanças enormes nos territórios conquistados, trazendo a língua grega, arquitetura, filosofia e ideias religiosas para o Oriente. Tornou-se moda, especialmente entre as classes altas, adotar costumes e a língua grega. Isso, porém, criou dificuldades para os judeus piedosos, que acreditavam em um único Deus que havia dado sua lei a Israel. A presença de soldados romanos nas ruas e do grego nas lojas e mercados explica por que muitos judeus sonhavam com a liberdade e o poder dos tempos de Davi e Salomão.
Com o tempo, tornou-se impossível para a maioria dos judeus ficar neutra em relação às ideias e à cultura grega. Quatro grupos judaicos surgiram nos séculos antes de Jesus, todos respondendo à pergunta: “Até que ponto um judeu pode se tornar grego e ainda ser judeu?” No século II a.C., uma família de sacerdotes ganhou o apelido de Macabeus (“martelos”) por lutar batalhas de guerrilha contra os governantes gregos. Essa abordagem militante foi continuada pelos Zelotes, que buscavam derrubar os romanos ocupantes por meio de revoltas e terrorismo. Outro grupo, os Fariseus, rejeitava o apelo dos Zelotes à revolta armada, incentivando os judeus a permanecerem fiéis a Deus obedecendo às leis de Moisés e a várias tradições adicionais. Um terceiro grupo, os Saduceus, formado por sacerdotes do Templo e a aristocracia rica de Jerusalém, defendia a cooperação e até a adaptação às forças gregas e romanas ocupantes. Um quarto grupo, os Essênios, não é mencionado pelo nome no Novo Testamento, mas se assemelhava a comunidades religiosas atuais; eles acusavam os outros grupos e o povo de Judá de corrupção, aguardando o julgamento de Deus, quando acreditavam que apenas eles seriam considerados justos.
O choque entre as culturas judaica e grega atingiu um ponto crítico em 168 a.C., quando o rei selêucida Antíoco IV lançou uma perseguição religiosa intensa contra os judeus. (Os selêucidas eram os sucessores macedônios de Alexandre, o Grande, que governavam a Síria.) Uma revolta prolongada, iniciada pelo sacerdote Matatias e liderada por seus filhos Judas e Simão, os Macabeus, resultou na criação da dinastia hasmoneana, que governou a Judeia de forma semiautônoma entre cerca de 140 e 116 a.C. A partir de 110 a.C., com o declínio do Império Selêucida, a dinastia tornou-se independente e expandiu-se à força para Samaria, Galileia, Itureia, Pereia e Idumeia. Os hasmoneus assumiram o título de reis, embora não fossem descendentes de Davi, da tribo real de Judá. Esse regime é às vezes chamado de reino independente de Israel, mas, na realidade, a Judeia estava sob controle romano. A dinastia hasmoneana, marcada por lutas internas, opressão e corrupção, durou 103 anos até ser substituída pela dinastia herodiana por volta de 37 a.C.
Quem visita Israel hoje logo ouve falar de Herodes, o Grande. Leitores do Novo Testamento o conhecem como um assassino cruel, responsável pelo massacre de bebês em Belém na tentativa de eliminar um suposto novo rei. A história extrabíblica confirma sua crueldade, mas também mostra que Herodes era um político astuto, administrador capaz e gênio da construção. Ele ampliou e embelezou o Templo de Jerusalém, além de erguer fortalezas e palácios em Jericó, Heródio e Massada, e o porto de Cesareia. Seu objetivo era transformar a Judeia em uma joia arquitetônica ao estilo grego. Mesmo assim, a maioria dos judeus o odiava por governar em nome de Roma e por não ter origem judaica pura.
O Novo Testamento menciona outros governantes chamados Herodes, mas nenhum deles tinha o talento ou a habilidade política do antecessor.
Logo ficou claro para Roma que a Palestina precisava de governadores ou procuradores romanos, geralmente militares de carreira, para manter a paz e controlar a região em benefício de Roma. O mais famoso desses procuradores foi Pôncio Pilatos.
Embora o Templo de Jerusalém continuasse sendo o centro da vida religiosa judaica, com sacrifícios regulares realizados pelos sacerdotes, a atividade religiosa local girava em torno das muitas sinagogas. Os Evangelhos mencionam sinagogas em Cafarnaum e Nazaré, e em Atos, Pedro e Paulo visitaram várias sinagogas pelo Mediterrâneo. O culto nas sinagogas não incluía sacrifícios, mas focava no estudo das Escrituras, na oração e na educação, servindo também como pontos de encontro para judeus vivendo fora da Palestina em ambientes predominantemente não judeus.
O culto nas sinagogas tornou-se tão comum que, na época de Jesus, havia várias delas a poucos passos do Templo. Muitos judeus haviam deixado a Palestina e se estabelecido pelo Oriente Médio e Mediterrâneo. Alexandria, no Egito, teria mais de um milhão de judeus no século I. Paulo, criado na sinagoga de Tarso, visitou sinagogas no sul e oeste da Turquia e na Grécia. Tiago disse que Moisés era lido “em todas as cidades” (Atos 15:21).
Livros escritos entre o Antigo e o Novo Testamento foram reunidos na coleção chamada Apócrifos. Algumas Bíblias católicas e ortodoxas incluem parte ou todos esses livros em seu cânon, mas as Bíblias protestantes geralmente os omitem ou os tratam como apêndice. Dois livros dos Apócrifos são históricos (1 e 2 Macabeus), outros são ficção religiosa (Judite, Tobias), acréscimos lendários a relatos bíblicos (Susana, Oração de Azarias, Bel e o Dragão, Adições a Ester, Oração de Manassés), literatura de sabedoria (Eclesiástico ou Sirácida) ou obras que se apresentam como escritas por figuras bíblicas antigas (Sabedoria de Salomão, Baruque, Carta de Jeremias). Os protestantes excluem esses livros por conterem erros históricos e afirmações doutrinárias questionáveis, e eles nunca foram parte do texto hebraico do Antigo Testamento. Ainda assim, consideram-nos “úteis para leitura” por preencherem lacunas históricas entre Malaquias e Mateus.
A vida religiosa na época de Jesus parecia sobrecarregada por uma mistura confusa de regras, tradições e expectativas. Jesus frequentemente entrava em conflito com líderes religiosos sobre o comportamento no sábado e o significado de certas leis. A pergunta “Qual é o maior mandamento da Lei?”, feita a Jesus na última semana de sua vida, reflete um ambiente religioso com mais de 600 regras e tradições para orientar a obediência às leis de Deus. Jesus criticava os fariseus por insistirem em interpretações minuciosas dessas regras.
Os judeus nutriam grande esperança na vinda do Messias, mas tinham ideias diferentes sobre quem ele seria. A promessa de um vencedor que esmagaria a cabeça da serpente vinha desde o Jardim do Éden. Isaías expressou a esperança de um intercessor divino que faria a terra tremer. A sucessão de invasores brutais — assírios, babilônios, gregos, romanos — levou muitos a imaginar o Messias como um líder militar e político, um novo Davi. Os profetas do Antigo Testamento descreviam a era messiânica como um tempo de harmonia, segurança e fertilidade, mas também retratavam um Messias que sofreria e morreria como substituto para libertar o povo das consequências do pecado e do medo da morte.
“Quando chegou a plenitude do tempo”, escreveu Paulo, “Deus enviou seu Filho” (Gálatas 4:4). Muito do que tornou o século I d.C. “o momento certo” para o ministério de Jesus foi resultado dos eventos entre os testamentos.